quarta-feira, 26 de março de 2014

"Wish You Were Here"

Como eu desejaria que estivesse aqui; e como cada detalhe do teu rosto me faz falta, tal qual o impacto de uma obra prima aos olhos de um amante. Como eu queria que aquele contato pudesse romper com a física; e que teu toque ultrapassasse as fronteiras da minha pele. Queria que nossa troca de olhares não admitisse a interferência do tempo, e me cairia de bom grado, caso o espaço que nos irrompe fosse vencido por um suspiro breve. Porque, de todas as faces - dos tantos acordes - que o mundo sublima, nenhum é capaz de manifestar meu anelo; tampouco hábil a refletir tua majestade.
Ah, como eu queria! Como seria este dia, se eu pudesse me encontrar em nosso silêncio; no aconchego do teu abraço. E se, neste turbilhão de estímulos turvos, eu pudesse me perder na imensidão dos teus olhos. E me jogasse neste infinito - brincando com as estrelas, no céu da tua boca.
Como eu desejaria, inclusive, que o nervosismo infantil que me assombrou, naquela noite, renascesse em tantos outros instantes. Assim, quem sabe, eu estaria ciente que o menino encantado e surpreso dos meus versos se encontraria com o anjo belo e inspirador dos teus olhos. E eu poderia abrigar aquele calafrio, por cada uma das memoráveis vezes que a ponta dos nossos dedos se tocassem.
E como eu congelaria aquele intervalo de nirvana, quando sua respiração acelerada se equilibrasse com as batidas que já não me cabiam no peito. E, desta sorte, você permanecesse aqui - intacta e perfeita - e não precisasse mais partir...
... nunca mais.

domingo, 16 de março de 2014

Lembrar-te-ei Passarinho

É tão linda aquela mecha negra de cabelo caindo por tua pele morena. Enquanto o piso parece que treme, a cada pouco que um ônibus cruza a plataforma sobre nossas cabeças, eu te miro sem resistência; sem vergonha. Vislumbro-te, mais uma vez. Sei que você já percebeu meu encanto precoce.  Mas não há muito que eu possa fazer, frente ao seu embaraço.  Uma vez que tu és tão linda que até invento uma licença poética para te olhar sem receio. E - neste literário e fantasioso frenezi - eu me reinvento, todas as vezes que encaro o mundo - e percebo um espelho - no brilho da íris dos teus olhos.
Mas eis que me deparo com o inglório e corrosivo pesadelo do poeta. E me pergunto porque tu não és como a Gioconda, de Leonardo da Vinci, para que eu pudesse te admirar - e me perder - no misto de seriedade e alegria dos teus lábios. E que a tua majestade fosse inabalável, como um ponto de loucura, num deserto de lucidez.
Porque quando parei para te mirar, uma vez mais simplesmente o vazio me olhou de volta, num comprimento sarcástico e perverso.
Todavia, pelo outro lado da moeda - mas da mesma sorte, este impulso encantado era, igualmente, maligno; visto que, assim que nossos olhos ensaiaram um "Olá" demorado e silencioso, eu já te interpretava minha. Foi, num estalo de instante - um intervalo de espaço, como se minha aurea se anunciasse prepotente e territorialista, tal qual a ingênua prole que não sabe dividir o amor de seus pais.
Talvez, eu nunca mais te veja. Talvez, seja melhor assim. Também porque, embora eu pudesse te escrever mais mil e uma páginas de louvores; que eu lhe proporcionasse quarenta dias e quarenta noites de paixão, talvez, a beleza só possa se manter intacta, se guardada nos porões da memória.  Porque, da mesma sorte que não sei a destinatária do "Soneto de Fidelidade", de Vinicius de Morais; nem a musa inspiradora para a Julieta, de Willian Shakespeare, também não sei sobre quais espaços tu te encontra. Nem tuas cores preferidas. Nem teus amores passados. Tampouco saberia como me dirigir a ti.
Todavia, estando eu na terra do inesquecível Poeta das Coisas Simples, Lembrar-te-ei passarinho; que me amou com seu canto passageiro e leve. E partiu sem cerimônias; sem despedidas; num piscar de olhos.
Com o tempo, tantos outros te amarão, tanto quanto - ou mais que eu. Com o srguir dos dias, eu também amarei tantas outras. E você será uma página amarelada; uma memória fragmentada.  Apenas um traço para interpretar a beleza; um olhar para me reinventar. E assim, nesta transição de palavras; nesta orgia gramatical sem espaço para regra, a realidade tratará de manter tua beleza pura e sublime, ainda que o resto do mundo - e eu - nos esqueçamos de ti.
Pois, devidas variáveis e proporções deste imaturo amante e incorrigível poeta, tu foste, neste dia, obra de arte. E, para sempre, passarinho.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Minha Doce - Minha Amada

Eu a observo adormecer em minha mente. Um tanto sublime - levemente inconsequente. Um contraponto que desponto com o astro solar; que brota majestoso, sem sequer se apresentar. Que assume sua forma, por entre minhas entranhas - e se desforma - no alto das montanhas.
Meu corpo lateja, nesta sincronia de músculos cansados e sinapses aceleradas. Nesta maestria de experimentos abismados e vivências alteradas. E essa sua maneira de sorrir; de subtrair qualquer dor e medo - de esvair todo horror do mais sombrio segredo, é uma menina que dança de olhos fechados, que rompe com suas fobias, como barbantes atados.
Eu cruzo a ponta dos meus dedos, como se tudo isso fosse perfeito; como se não houvesse defeito. E faço de conta que ainda é cedo. É como se o real e a ilusão se fundissem; como se barreiras sociais não existissem. E como se a vida fosse um divertido brinquedo. A profundidade ensaia passos com as cores. A poesia é mais pura, em todos os seus princípios e louvores. A beleza é mais natural, na inocência de cada um dos seus antigos amores.
Os traços do seu corpo são tão divinos que beiram o inconcebível. Eu desejaria que esse toque nunca tivesse fim; que eu pudesse massagear o seu gosto, num aroma de jasmim - e que tudo isso se mantivesse possível. Que tua voz prosseguisse em minha pele, como o canto de um querubim; e que este beijo se sele, por fim, neste teu ar de percepção sensível.

Mas o sol se torna absoluto. Com ele, você dá seu adeus. É um tanto amedrontador, mas astuto; a forma que a luz me faz me perder nestes breus. A memória já conta esta história de danças - num ingênuo temor de perder tudo, nas lembranças; nestes museus. Sabendo que, enquanto você adormece, estes sonhos já são tão meus.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

O Vagabundo

Acordei – há pouco – entre um bico, na costela, e duas cusparadas, na cara. Comum recepção, nos morros da favela; nesta manhã, já raiada. Se bem me recordo, a lua me beijava, enquanto eu adormecia. E, para o ensaio de minha cegueira, dei um tapa na carreira, como um irônico grito de “bom dia”. É um tanto lacônico; e parece bucólico, mas é a vida que eu conhecia.
Não me julgue, cidadão! Eu acordei há pouco, e ainda não recuperei a razão. Eu ainda estou rouco; e me sinto meio louco, tamanha é a pressão. Estou sobre o efeito de entorpecentes, e destes problemas decorrentes, desta ingrata vida de cão.
Tenho vinte anos. Quase oito de tráfico e madrugada. Pouco mais de cinco entre muito vício e pouca morada. Conheci criminosos internacionais; ditadores da droga e até personalidades estatais. Já dormi na estrada; em rodovias federais; levei chumbo da brigada, e acordei com a cara surrada por muitos que se titulavam liberais. E também ouço, todos os dias, que sou um vagabundo – e que, do mundo, eu só mereço a morte. Pouco sabem, estas mentes vazias, que nestas madrugadas frias, eu só pude contar com a sorte.
Eu não estudei em colégio bacana. Na verdade, nunca tive grana, pra investir em educação. Mas agradecia – com tudo que podia – quando, na mesa, tinha arroz e feijão. E, até hoje, nenhum irmão me repudia; e nem julga rebeldia, quando roubei um pedaço de pão. Fiz como Valjean, naquelas páginas de maestria; em seus literários tempos de revolução. Por isso, não me julgue, cidadão! Pois, desta vida tardia, eu apenas segui a razão. É a vida que eu conhecia. Esta maldita vida de cão.
E eu digo – apesar de envergonhado – que eu só segui a inércia. Mas que vida é essa, se eu só posso agüentar calado? Se eu sou um amargurado, que deixou a vida me ensinar; e me obrigou a aturar, este perfil marginalizado? Quem sou eu, que de todas as verdades – e das poucas oportunidades – jogou tudo para o lado?
Em suma; em todas essas cicatrizes que a vida consuma, eu também não sei se vergonha é o termo correto. Vendo que o mundo está repleto de tantos outros quanto eu. Que, nestes colossos de concreto, nasceram – e só conheceram – os trajetos distorcidos que a vida deu. E que nunca receberam – ao certo – algo além deste deserto; este olhar, um tanto breu.
Por isso cheiro desta inodora flagrância. Por isso, vendo esta substância. Pois sou um viciado e um traficante. E este é o retrato de um filho derrotado e um adolescente errante. Por isso, sequer dou importância, pois queria fazia poesia. Abstrair, das palavras, estas maravilhas que o dia escama. Quem sabe, até fugir da membrana, e escapar da agonia. Quem sabe, poderia ser pintor. Fazer arte bela e fria, com louvor, muito amor e até posar para uma fotografia. Pois poderia ser cantor.
Mas minha vida foi vazia e eu não tive escolha. Tornar-me um traficante era a única chance de fugir da bolha. Este é o destino que, a minha frente, cai. É a realidade que, à mente, apresentou-me meu pai. E é o caminho que eu pregresso, sem chance para interpretação. É o trabalho que exerço, deste ingrato dia de cão.
Pois está a é a única vida que eu conheço. Então, não me julgue, cidadão.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O Triste Fim Daquele Sorriso

Meus dias de criança
Eram tomados de confiança
Eu tinha um sorriso leve
Mas pouco restou;
Sonhava brincar na neve
Mas tudo isso acabou
Como se fosse uma dança.

Em meus dias de criança
Quando as nuvens eram de cetim
E era tudo uma festança
Como acampamentos no jardim;
Mas, o tempo passou
O sorriso se apagou
E tudo isso teve fim.

Em meus dias de criança
Quando eu podia colorir
Cada gota de esperança
Que me fazia sorrir
O mundo era de aquarela
Um luar, numa janela
E não havia nada a partir.

Em meus dias de outrora,
– Há muito tempo; que nem lembro –
Quanto todo dia era autora
E nem havia mal sentimento
Eu era um apaixonado
Abarrotado; sem cuidado.

E esta lembrança de outrem
Onde perdi este meu eu
Que seja lá onde se perdeu
Não esteja tão aquém
A que eu possa perder também.